Últimas Reflexões

Por Rev. Eric Rodrigues*

Algumas pessoas dizem que algumas paróquias anglicanas “não são tão anglicanas assim”, geralmente o comentário é relativo à plástica litúrgica, como se os “anglicanos mesmo”, fossem mais “católicos”. Mas isto não passa de um grande equívoco. Quem pensa assim não compreendeu uma coisa que pode ser considerada uma grande pérola presente na vida da comunhão anglicana, e é uma característica marcante do corpo de Cristo: a elasticidade das formas em harmonia com uma essência plácida e solida[1]. Então se faz preciso ampliar a compreensão do termo “católico” e resgatar a noção real do “Ethos Anglicano”, que pode ser compreendido como versatilidade. Nossa estabilidade identitária não é estática, mas multivalente.  O enrijecimento das formas – ou melhor, de uma única forma – e a falta de diálogo com a cultura contemporânea são, em si, experiências anglicanas pequenas. Jamais representaram modo de viver desta igreja. Então esta ideia de que a legitimidade anglicana está no ritualismo fechado é uma tremenda bobagem! Vemos hoje pelo mundo igrejas anglicanas que assumiram uma roupagem tanto estrutural quanto litúrgica bem leves e contemporâneas, sem negociar ou perder o vínculo forte com a tradição, mas, pelo contrário, estão evitando que ela morra! É de se admirar que alguns ainda pensam que fidelidade e criatividade não possam caminhar de mão dadas, visto que não são conceitos antagônicos, nem contraditórios e nem mesmo contrapostos. Ser tradicional significa saber de onde veio, reconhecer e valorizar as raízes que sustentam nosso presente e não um saudosismo melancólico ou uma resistência a viver o tempo presente.

O esforço de contextualização e dialogo não é feito às escuras nem em sigilo, pois não há nada a esconder. Não há regras sendo desprezadas ou desobedecidas. Ao contrario disto, há um entusiasmo e encorajamento feito pelas instâncias superiores da comunhão. Veja esta declaração do Conselho Consultivo Anglicano:

As Conferências de Lambeth de 1867, 1888, 1897 e 1908 reconheceram a necessidade de adaptar e enriquecer os ofícios do Livro de Oração Comum e Administração de Sacramentos e Outros Ritos e Cerimônias da Igreja, de acordo com o uso da Igreja da Inglaterra, a fim de ir ao encontro das necessidades e condições das raças e países de além-mar. Porém, com o desenvolvimento da consciência das Igrejas nacionais (indígenas, como se dizia na época), há uma exigência bem difundida nos campos missionários para não só proceder a adaptação e enriquecimento dos Livros existentes, mas também para criar formas e ofícios construídos de outra maneira. O princípio da uniformidade exposta no Prefácio do Livro inglês (o qual não foi elaborado à luz das condições hoje existentes nos campos missionários) não é aplicável às dioceses e Províncias no campo missionário, nem é em si mesmo necessário como laço de união entre as Igrejas com as quais temos a unidade de fé.[2]

Geralmente quando se fala de catolicidade no anglicanismo logo se faz menção aos herdeiros do movimento de Oxford, que foi uma inquietação dentro da igreja anglicana no Séc. XIX. Nascente entre clérigos residentes na Universidade de Oxford que tinham uma preocupação legitima de reavivar a fé do povo inglês. Eram evangelistas e saiam às ruas para entregar folhetos sobre Cristo, sobre a necessidade de haver limites mais rígidos entre os poderes seculares que dominavam e a igreja. Entretanto, eles supervalorizavam a regeneração batismal, acreditavam que a presença de Cristo na eucaristia não era apenas real, mas substancial; eram extremamente ritualistas e defendiam uma estreita ou quase neurótica relação com Livro de Oração Comum, que tinham como um livro que serve o povo, uma diretriz útil no serviço do culto do povo de Deus. Pelo contrário, queriam um culto que é cativo da formula presente no livro.

A palavra liturgia vem da junção de dois termos: laós e érgon, isto é, povo e trabalho (ou ação). O trabalho (ou serviço) do povo ao seu Deus acontece de forma dinâmica desde sempre. No Antigo Testamento temos uma constante produção litúrgica, com ritos festas e rituais que vêm da vida do povo, em alta relação com seus costumes locais e particulares. Liturgia não é um frio movimento “de fora” para dentro do povo, mas uma dinâmica de encontro do povo para Deus e de Deus para seu povo. O movimento de Oxford defendia um enriquecimento nesta relação, o que seria uma perda da qualidade litúrgica, ao invés de enriquecê-la. Deste, entretanto, alguns chegaram a migrar para a Igreja Católica Romana, abandonando a compreensão reformada da justificação pela fé. Estes que bradavam pela pureza do anglicanismo, a abandonaram para ir beijar o anel do papa de Roma.
Sobre o restrito uso do Livro de Oração Comum (LOC), é preciso lembrar que não há apenas um, mas vários! Cada província tem autoridade para fazer adaptações. Algumas províncias utilizam em seus LOC’s orações de outros ramos da fé Cristã. Portanto, temos uma diversidade incrível em cada província, diocese e paróquia. O Conselho Consultivo Anglicano (ACC)[3], em sua resolução 36 de 1920 diz:

Embora se mantenha a autoridade do Livro de Oração Comum como padrão anglicano de doutrina e prática, consideramos que a uniformidade litúrgica não deve ser tomada como necessária nas Igrejas da Comunhão Anglicana. As condições da Igreja em muitas partes do campo missionário tornam inaplicável a preservação do Livro como um elo fixo de liturgia.

Como dito acima, flexibilidade sempre foi marca do anglicanismo, sempre atento a sua missão no mundo.

Os herdeiros do movimento supracitado foram chamados de “anglo-católicos”. O termo é muito ruim, porque catolicidade ultrapassa de longe os pressupostos defendidos pelo movimento.  Em todo o ocidente é muito difícil falar de catolicidade sem que a maioria das pessoas façam automaticamente uma relação imagética especifica a um tipo de plástica litúrgica atrelada a igrejas específicas (romanas, ortodoxas e algumas anglicanas) confundindo alta liturgia com catolicismo e reafirmando este arquétipo equivocado.
 A quantidade de orações lidas em um culto, se são espontâneas ou não, as datas das orações, a quantidade de vertes litúrgicas, o tempo de culto, os gestos e formulas... tudo isso está longe de ser um demarcador de catolicidade, de tocar o que, ao meu ver, é um aspecto fundamental na catolicidade. Catolicidade litúrgica na Igreja Anglicana é justamente relativo a sua elasticidade litúrgica, sua variabilidade quanto a forma. Ao contrário do que muitos pensam, o movimento de Oxford não captura a essência do que configura nossa catolicidade. A ideia de que um movimento poderia ter o monopólio da essência católica é uma absurdidade dos termos! Não existe um anglicano mais católico que os outros. Pode até haver alguns que estão mais próximos de Roma que de Cantuária, ou mais ritualistas que outros, mas isto não toca a questão da catolicidade.
Os termos católico e evangélico são “qualificações”[4] e são indissociáveis no cristianismo. São marcas do corpo de Cristo e andam sempre juntas.  Evangelho é a mensagem central que constitui as doutrinas cristãs e a catolicidade é o lugar de recepção destas doutrinas. E a leitura do evangelho feita pela tradição da Igreja também faz uma hermenêutica católica. Evangelho é a ideia central, mas católico acrescenta um qualificador antirreducionista crucial, o qual proíbe que algum receptor isolado do Evangelho se torne superior aos outros. Assim, ninguém pode dizer ser, isoladamente, a única parte que possui ou compreende o Santo Evangelho de Jesus. Por isto o Anglicanismo não se considera a única igreja, ou a melhor parte do corpo, mas apenas mais um ramo histórico inserido na Igreja, a qual Cristo governa e sustenta, para Sua própria glória.
Os anglicanos sempre tiveram uma ampla e diversa variedade em toda pratica e compreensão teológica, mantendo um núcleo duro central intacto, que é o quadrilátero de Lambeth: A bíblia, os Credos (apostólico e Niceno), os sacramentos (Ceia e Batismo) e o Episcopado histórico.
Um problema de definição
Se confunde muito a igreja alta (High Church), que tem um rigor litúrgico sofisticadíssimo e muito elaborado, com um ramo “mais católico” da fé anglicana e, por consequência, a igreja baixa (Low Church), que é um ramo mais contemporâneo e que privilegia o diálogo com a cultura vigente, como “menos católico”. As igrejas amplas (Broad Church) estariam, dentro desta lógica, fazendo uma intercessão entre estas duas corretes, preservando a antiga liturgia, mas com sérias adaptações e criatividade. Entretanto, esta abordagem para medir a “catolicidade” trata-se de um equívoco na utilização dos termos. Primeiramente porque temos bem mais que “três modelos” na forma de viver a missão e o serviço cristão na Igreja Anglicana. Há uma infinidade de propostas acontecendo.
Outra associação que não ajuda muito na compreensão da catolicidade no anglicanismo é aquela que a relaciona diretamente aos anglo-católicos, tidos como mais sacramentais e mais litúrgicos, o que não é verdade. Toda igreja anglicana é sacramental e litúrgica. Algumas paróquias “mais evangelicais” realizam um serviço litúrgico tradicionalíssimo. É um engano achar que a forma litúrgica de uma igreja está estritamente ligada à teologia da diocese ou à ênfase teológica paroquial. Os termos comumente utilizados, quando se referem à forma, à experiência missionária ou litúrgica nas paróquias anglicanas, tendem a ser imprecisos e distantes de um real diagnóstico.
A plástica litúrgica é dinâmica, criativa, e, como em um conversa, acontece um jogo simbólico entre todos os envolvidos. Cada conversa é única e, da mesma forma, cada serviço litúrgico é único, por mais que se tente uma execução extremamente padronizada, o que jamais foi possível.
CATOLICIDADE DA CATOLICIDADE
Catolicidade é um termo amplo. É um conceito grande, apesar de ter um significado direto bem simples. Ele é justamente o que garante a unidade das complexidades na teologia cristã. Como afirma Vanhohoozer, “nenhuma denominação isolada ‘possui’ catolicidade: a catolicidade não é domínio exclusivo da igreja romana da mesma forma que o evangelho não exclusivo dos evangélicos”[5].
Catolicidade é um conceito importantíssimo que serve como garantia da inteireza da fé cristã, tem a ver com a integridade da fé do povo de Deus.  A fé cristã por vezes é reduzida em alguns esforços para se realçar algumas características dessa fé, cometendo-se o erro de fazê-lo em detrimento de outras nuances que dela são partes essenciais. Catolicidade significa universalidade, completitude, integralidade. Uma fé católica é uma fé atenta ao todo e que não privilegia as partes. É por esse motivo que o renomado teólogo anglicano Alister McGrath defende que o labor teológico deve ser também católico:

Nós precisamos da teologia para formarmos um relato abrangente e crítico da fé, em vê de nos limitarmos á percepção, geralmente bem subjetiva, que um indivíduo tem das coisas. Vários teólogos- como Cirilo de Jerusalém (325-386) e Vladimir Lossky (1903-1958) – enfatizaram a “catolicidade” da teologia cristã. O ponto deles é que o teólogo não é um dissidente solitário, mas alguém que trabalha de maneira colaborativa, no Corpo de Cristo, para construir uma compreensão completa do evangelho[6].

Os anglicanos são conhecidos como “católicos-reformados”, e isto está correto. Mas a maneira em que a maioria apreende o termo está errada. Ser um católico-reformado não significa ser uma mistura de um católico romano (papista) com um evangélico-protestante, como se fosse um “meio termo” entre duas coisas aparentemente contraditórias.  Os anglicanos não são um mix destas duas coisas. O anglicanismo é um ramo histórico do cristianismo particular: é a igreja dos celtas, que tem sua fase romana, que é uma união que tem origem política, e não teológica, e que está presente em todo mundo em sua fase reformada. A catolicidade da Igreja Anglicana nada tem a ver com o Papa, nem com a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). Católico aqui tem a ver com os pilares que sustentam nossa fé, que são cristãos e não apenas anglicanos. Como somos uma igreja credal, reiteramos, como pressuposto fundamental, o Credo Niceno (325 d.C.) e o Credo Apostólico (c. Séc. VI). Por sermos uma igreja bíblica, acreditamos no cânon do Velho Testamento – como foi organizado no concilio judaico de Jâmnia, por volta do ano 100 d.C. –, com seus 39 livros[7] e no Canon do Novo testamento, com seus 27 livros – como acreditam todos os ramos do cristianismo. Então acreditamos que o povo de Deus é parte de uma só Igreja, que somos um só povo, que temos os mesmos fundamentos de fé que nos garantem ser uma igreja apostólica, Santa, Una e Católica. Quando dizemos que somos ao mesmo tempo católicos e evangélicos, estamos seguindo o mesmo tom que Vanhoozer, quando diz que “catolicidade significa a igreja no sentido do povo de Deus como um todo disperso no espaço, através das culturas e ao longo do tempo. Cremos em uma só igreja Católica. A unidade evangélica da igreja é compatível com a diversidade católica. Assim, dizer que a teologia deve ser católica é afirmar a necessidade de envolver a igreja inteira no projeto da teologia, e não apenas partes”.
Quando o termo católico representa uma pequena parte da igreja em detrimento do restante, perdemos a integralidade, é preciso resgatar a catolicidade da catolicidade. A consciência da plenitude católica nos deixará mais atentos para o pluralismo evangélico que permeia o corpo de Cristo, inclusive para a presença necessária da flexibilidade das formas na missão e no serviço do culto. Não existe uma plástica católica, mas uma profusão vasta de expressões plásticas, históricas e doutrinárias.
Guilherme de carvalho nos alerta para uma coisa importantíssima a respeito de catolicidade em um artigo sobre o tema no livro Igreja Sinfônica. Ele fala de “catolicidades” – isso mesmo, no plural! –, e não apenas de catolicidade, no singular, pois a inteireza da fé cristã começa com a compreensão integral do “poder católico de Deus”, que deságua em compreensões católicas da dimensão sociológica, cosmológica, confessional e temporal, da missão da igreja. Cito aqui um pequeno trecho interessante:

Deus é, antes de tudo, universal. Deus (e o seu Verbo, Palavra ou logos, cf. Jo 1.1-4,9) é o fundamento pessoal e a fonte da inteligibilidade do mundo. Ele concede a vida e estabelece a vida e estabelece a realidade; logo, não há vida nem contato com a realidade fora dele. Ele é a luz de todo os homens, e toda a luz que os homens podem experimentar vem dele. O apostolo Paulo escreve sobre essa suficiência de Cristo; “pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e, por estarem nele, que é o cabeça de todo poder e autoridade, vocês recebem a plenitude” (Cl 2.9-10)[8] (grifos nossos).


A compreensão desta catolicidade é urgente no cumprimento de uma missão que queira ser integral. A Igreja de Cristo é convertida ao poder total de Deus sobre todas as coisas. E uma igreja não é menos ou mais católica quando usa uma determinada fórmula litúrgica, mas quando perde a consciência holística da soberania divina. Nossa liturgia precisa ser expressão de nossa riqueza doutrinaria. Nossa música, poesia, canto, drama, pintura, escultura, arquitetura e dança precisam ser verdadeiras expressões evangélicas. E isto deve ser feito também de maneira católica, abrangente.
No universo anglicano existe um elemento chamado “jus liturgicum”, que é um poder concedido ao Bispo Diocesano para a adaptação litúrgica – e isto sempre aconteceu; não há nada de novo nisto! –, exatamente porque nossa missão não é ser um museu do protestantismo, mas um anglicanismo para o tempo presente. E justamente por isto, uma das grandes preocupações litúrgicas no anglicanismo de hoje é a inculturação, ou seja, sua atualização dialógica em um mundo de mudanças rápidas. Este assunto foi tratado na Consulta Internacional Anglicana sobre Liturgia em 1989, em York. A Consulta baseou-se no Relatório e Resoluções de Lambeth 88, sobre Cristo e Cultura. Entre outras coisas, a Consulta indicou áreas em que é necessária a inculturação: a) Linguagem, forma de pensamento, estilo de expressão; b) Vestes clericais e leigas que procedam da cultura local; c) Música e hinos; d) Arquitetura e Arte. A consulta de 1995[9] segue as mesmas preocupações e interesses. Todo o esforço de adaptação relacionando a missão cristã no mudo contemporâneo e tendo a perspectiva da integralidade e da ortodoxia deve ser levado a sério, pois é daí que surge o vigor de uma igreja viva relevante ao seu tempo.
Os princípios fundadores desta igreja, desde Elisabeth no século 16, foram o de ser povo de Deus, reunido em torno da Escritura e dos Credos católicos da Igreja indivisa e garantir a abrangência suficiente para que caiba todos a quem Deus nos enviar, mantendo a capacidade de manter justaposições variadas de fé e pratica, a disposição a concordar em diferir e concordar a se amarem mesmo assim.





* Bacharel em Teologia, graduando em Filosofia pela UFES e reitor da Paróquia Anglicana Âncora (Igreja Âncora) em Vitória/ES e Belo Horizonte/MG.

[1] É claro que no caso da teologia liberal costuma ser o contrário, preferem formas rígidas e castradoras e negociam a essência como quem negocia laranjas na feira.
[2] Resolução 37,  do relatório da Comissão sobre Problemas Missionários feito pelo Conselho Consultivo anglicano ACC na conferencia de 1920.
[3] Criado pela conferencia de lambeth de 1968, é um dos instrumentos de unidade da Comunhão Anglicana, formado por bispos, clérigos e leigos. Funciona como um espaço de promoção de pesquisas, formação redes temáticas, grupos de trabalhos para consultas de temas relevantes para a comunhão, cuida de relações ecumênicas e criação de novas províncias.
[4] Definição que Kevin j. Vanhoozer faz dos termos: católico e evangélico.
[5] O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã/ Kevin J. Vanhoozer; tradução de Daniel de Oliveira – São Paulo: Vida Nova, 2016. Pg.44.
[6] Teologia pura e simples; o lugar da mente na vida cristã/ Alister McGrath; tradução de Meire Portes Santos – Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2012. Pg. 24.
[7] Há aqui um posicionamento explícito de continuidade com a tradição reformada na rejeição da canonicidade dos demais livros e trechos do V.T. presentes na Septuaginta – e adotados como canônicos pela ICAR e alguns outros ramos históricos do cristianismo –, mas que não possuem seus originais em hebraico, encarados, portanto, por judeus e protestantes como apócrifos, ou seja, no melhor significado do termo: suspeitos.
[8] Igreja Católica: as dimensões da Missão in: Igreja sinfônica: um chamado radical pela unidade dos cristãos / Pedro Lucas Dulci [org.]. 1.ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2016. Pg. ??
[9] Em Dublin, Irlanda - 6 a 12 de agosto de 1995.

doutrina  Diante das últimas discussões teológicas e doutrinárias em que tenho me encontrado ultimamente na relação com as diversas expressões do cristianismo no Brasil e no mundo, tenho encontrado grande alento no conjunto dessas palavras. Elas podem ser aplicadas a diversas áreas da vida, porém acredito que em nenhuma delas se encaixam tão bem quanto em nosso conceito de Cristianismo. Se todos os líderes cristãos compreendessem a essência dessas palavras, talvez não teriamos tantos embates e divisões capazes de dividir tanto o corpo de Cristo. Essas palavras estão no final de um tratado escrito por Peter Meiderlin, teólogo luterano da cidade de Augsburg - Alemanha - no ano de 1627, talvez já correntes na Europa há alguns anos: “Si nos servaremus In necessariis Unitatem, In non-necessariis Libertatem, In utrisque Charitatem, optimo certe loco essent res nostrae”. A frase pode ser traduzida como: "No essencial, Unidade. No não essencial, Liberdade. Em tudo, o amor". Gosto mais da tradução "Caridade" ao invés de "Amor", já que "amor" tem sido interpretado no ocidente mais como um sentimento que como uma ação e "caridade" geralmente não cai nesta armadilha.
Mas vamos à frase...Bíblia-Sagrada
"No essencial, Unidade"...
Apesar das inúmeras divergências doutrinárias entre os cristãos, ainda acredito que há pontos doutrinários claros nas Escrituras Sagradas sobre os quais qualquer Cristão, independentemente de sua confissão específica, não poderia discordar. Acredito que na estrutura trinitária do Credo do Apóstolos, uma formulação da igreja primitiva preservada pela tradição cristã, provavelmente desenvolvida nas confissões batismais dos séculos III e IV no combate ao gnosticismo, promulgada no primeiro Concílio de Nicéia, está o que pode resumir - sem a pretensão de esgotar o assunto - os principais pontos que reivindicam o quesito da UNIDADE nas confissões cristãs. Ele pode ser traduzido como:
Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra.
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.
Podemos dizer que, para que uma pessoa se declare cristã, antes de qualquer coisa, precisa concordar com essa confissão universal (católica), cuidadosamente baseada nas Escrituras Sagradas para que pudesse livrar os cristãos primitivos e modernos de possíveis erros doutrinários a respeito de pontos INEGOCIÁVEIS da fé cristã.
"No não essencial, Liberdade"...
Doutrina CatólicaComo cristão leigo que sou, apesar de muito interessado na teologia cristã, não posso deixar de dizer que creio em certas formulações particulares a respeito da doutrina cristã que considero mais coerentes de acordo com as Sagradas Escrituras. Acredito até mesmo que a posição adotada por cada crente neste nível (NÃO ESSENCIAL) da doutrina cristã, tem tudo a ver com a saúde de sua espiritualidade e de seu caráte. É o caso de minha opção pessoal pelo Calvinismo como melhor expressão do Cristianismo histórico, por exemplo. Tenho inúmeros irmãos em Cristo que discordariam plenamente de minhas afirmações neste ponto, porém suas ideias - melhores ou piores - não podem anular o fato de que cremos no mesmo Deus, na mesma Escritura Sagrada, no mesmo Cristo e, assim, estamos unidos no mesmo Espírito. É por isso que podemos considerar essas questões como NÃO ESSENCIAIS e, neste contexto, acredito que a melhor postura cristã seria de LIBERDADE.  Nós Cristãos, divergimos em variados pontos de vista. Uns são criacionistas fundamentalistas e acreditam que a terra tem 6 mil anos de idade, outros não têm dificuldade de acretidar nos seus 6 bilhões de anos; uns crêem numa forma correta de se batizar, outros batizam de inúmeras formas e idades. Quanto à visão escatológica há amilenistas, milenistas, pré-tribulacionistas, midi-tribulacionistas, pós-tribulacionistas, etc. Não importa! O que nos une é o Amor (a Caridade) de Deus que está em Cristo Jesus, NOSSO Senhor, do qual NADA no mundo poderá nos separar (Romanos 8.31-39). E é este amor (caridade) que fecha com chave de ouro essa declaração espetacular do século XVII:110971
"Em tudo, o Amor".
"(...) o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Romanos 5.5). É neste sentido que afirmamos que o amor é um dom (carisma) de Deus, colocado no coração do ser humano, capacitado apartir de então para amar. O amor jamais acaba (I Coríntios 13.8) e é por isso que encabeça toda a Lei (Romanos 13.8,9). O amor é o princípio da Unidade, Liberdade e da Coexistência. O amor permeia nossas declarações essenciais de fé - onde todos precisamos necessariamente concordar - e deve permear da mesma forma nossas discordâncias, fazendo com que o bom perfume de Cristo seja exalado por onde quer que passe alguém que se diga Cristão.
No amor de Cristo,
J.M.S.Júnior.
 Postada em 11 de fevereiro de 2013 no Blog "Estou em Obras".
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Há poucas semanas semanas conversava com um amigo a respeito de duas Tattoos que ele pretendia fazer. Enquanto conversávamos, mostrei minhas duas pequenas tattoos pra ele (pequenas, pelo menos perto das que ele pretendia fazer). Antes de declarar meus propósitos de fazer mais algumas, ele logo se assustou e disse algo mais ou menos assim: "Cara, você gosta mesmo da tattoo, né! Você sabe que não pode, né! Tipo, não tem nada na bíblia condenando, mas agente sabe que é pecado. É igual..." Nesse momento ele citou uma lista de coisas que "não fala na bíblia", mas que agente "sabe que é pecado". Para fechar o discurso, me disse que preferia "pecar por excesso de zelo do que por falta dele" e que preferia chegar diante de Jesus e ouvir: "eu deixei fazer e você não fez" do que ouvir: "eu não deixei fazer e você fez. Apartai-vos de mim!" O que ouvi me incomodou tanto que, no dia, só dei conta de demonstrar que tinha outra opinião a respeito, mas não quis discutir. Me propus a voltar pra casa e elaborar uma réplica minimamente razoável. Passaram-se algumas semanas e, neste último final de semana, o mesmo assunto voltou a me incomodar. Acredito que falar sobre isso agora não é nem mais uma questão de discussão de pontos de vista teológicos, mas uma questão urgente de saúde da espiritualidade Cristã de muitos amigos. Pelo jeito não existe só um ou outro contaminado por essa doutrina. Na verdade ela se alastrou como uma praga no brasil, especialmente pela comunidade evangélica, e precisa ser urgentemente combatida pela sã Doutrina. Gostaria, nesse caso, de deixar aqui uma resposta ao meu amigo tatuado e ao mesmo tempo uma exortação aos que estão se desviando de Cristo para a religião do zelo.
"Mas o que te incomoda tanto?", você pode estar se perguntando. Se você não se incomodou ou, no mínimo, não percebeu o que me incomoda nessa história, provavelmente essa doutrina tem corroído sua espiritualidade também. Mas, no amor de Cristo, peço que não pare de ler agora. Vou me explicar e, se não concordar ou não compreender, pode replicar ao final, publicamente ou no inbox, no blog, no Facebook ou pessoalmente, se quiser. A grande maioria dos meus leitores tem meu telefone e sabem meu endereço. Sinta-se convidado para um café!
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Bom, o que me incomoda nessa história toda é que a preocupação com a santidade tem saído do campo do efeito e invadido o campo da causa, no que diz respeito a salvação. A santidade (para não dizer: caprichos morais, o que compõe a maior parte dos casos) não pode definitivamente ser a causa da salvação exatamente porque a única e exclusiva causa da nossa salvação diante de Deus é a obra de Cristo na cruz do calvário! Foi por causa dessa mensagem que Wycliffe, Huss, Savonarola, Lutero, Calvino, Zuinglio e muitos outros protestaram (e alguns até morreram por essa causa) há mais de 500 anos atrás contra todo um sistema católico medieval que oprimia os crentes, submetia-os a caprichos que atendiam diretamente a interesses moralistas e econômicos. E não é diferente hoje! A igreja evangélica de hoje, fruto do sangue da reforma, volta a passos largos para as mesmas práticas contra as quais protestou no passado. E tudo isso é fruto de um sistema que mantém os pobres pecadores doando sua força, seu tempo e principalmente seu dinheiro nas igrejas e, muitas vezes, no bolso de charlatões. A insegurança com relação à graça e a soberania de Deus, Aquele que mantém os santos no Caminho, leva os líderes a constranger os crentes a permanecer no caminho por meio de discursos e práticas moralistas a fim de "serem salvos" no final das contas. Minha afirmação diante disso e o que falarei ao longo dessa postagem é que, seja para manter os crentes "na Palavra", seja para sacar-lhes o dinheiro, essa dinâmica não condiz a sã Doutrina da salvação pela Graça. E é essa espiritualidade que produz o tipo de discurso que ouvi do meu amigo.
Preocupar-se com a santidade não é algo ruim. Fomos salvos pela Graça de Deus e procuramos manter nossas práticas de acordo com o Evangelho que nos anunciou essa salvação. Porém, a partir do momento em que essas práticas tornam-se critério para a salvação, já não estamos confiando mais na obra de Cristo, mas em nossas próprias obras. Seja no sentido negativo (da abstinência de práticas) ou positivo (da prática de boas obras), isso não pode substituir o ponto crucial da nossa justificação, ou seja, a Cruz de Cristo. Qualquer substituto para Cristo em nossas vidas é um ídolo.
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A pura espiritualidade Cristã é pautada sobre a obra de Cristo, reconhecendo que Deus enviou Jesus por causa do Seu amor por nós, e nos recriou em Cristo PARA as boas obras, a fim de que andássemos nelas (Ef 2.10). As obras são o objetivo e nunca a causa da salvação. Nesse ponto os evangélicos vivem criticando a crença espírita na salvação "baseada nas boas obras". Mas eles fazem a mesma coisa ao basear sua salvação no ato de "não pecar". Isso sem dizer que esse "não pecar" nunca é uma realidade efetiva em suas vidas, assim como não é na vida de nenhum ser humano. É por isso que temos um advogado no céu! Somos pecadores e por isso precisamos de justificação. Não pecar não nos faz mais santos do que Cristo nos fez e o ato de pecar não nos torna mais pecadores do que já somos. É por isso que, em nenhum momento na bíblia encontramos alguma exortação à santidade que ameace a salvação eterna dos crentes. Isso é fruto do dispensacionalismo que prega, há algumas décadas que, "se Jesus voltar agora e você estiver 'em pecado' você não 'vai pro céu'". Engraçado que "em pecado" é uma expressão inexistente nas Escrituras para se tratar do estado espiritual do crente. A relação simples do cristão com Deus, baseando-se sempre no ato de sua Graça para conosco em todas as coisas não nos conduz à libertinagem, mas ao amor, às boas obras, à ação de graças. Quando não confiamos plenamente em Cristo, acabamos por confiar em nós mesmos, em nossa religião, em nosso não pecar. Nesse ponto, santidade vira uma questão de conquista pessoal e serve sempre de base para julgarmos a santidade e até mesmo o destino eterno do outro. E assim acontecem os processos de coerção social religiosa. apontando_o_dedoA bíblia é usada todos os dias como uma nova Torá, onde constam as regras de moral e bons costumes a partir das quais os crentes são julgados, condenados ou censurados. Já estive em uma reunião deliberativa onde um irmão, que havia confessado publicamente ter transado fora do regime do casamento, estava recebendo sentenças punitivas da comunidade em forma de meses "de disciplina". O primeiro foi o pastor e depois outros membros foram se manifestando: "3 meses, pastor!". Outro disse: "não, 6 meses!" e a esposa do pastor (que Deus a tenha!) disse algo do tipo: "6 meses é pouco, eu dou 9 meses!" Que tipo de espiritualidade é essa? Que noção de salvação? Um brother meu acaba de me ligar enquanto escrevo esse post, comentando sobre um caso bem recente desses de disciplina e me lembrou que, durante os meses de disciplina o indivíduo fica privado dos serviços "da igreja" e até mesmo da Santa Ceia, instituída por Cristo, através da qual anunciamos o maior ato de misericórdia experimentado na existência humana, o Sacrifício de Cristo na Cruz. Que contradição!!
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No entanto, a bíblia não é um livro de moral (embora possa ser bem manipulada nesse sentido), ela é uma narrativa da história de Deus e do homem, nos apresentando o evangelho da salvação e princípios para permanecermos na liberdade. O Evangelho anuncia que "Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões" (II Co 5.19). Enfim, o Evangelho é muito diferente do que está sendo pregado por aí.
Você pode estar achando tudo isso muito estranho. Talvez sua representação de crente seja a do cara moralista, engravatado, que não bebe, não fuma, não rouba, não transa e não fala palavrão e assim está totalmente preparado para a "vinda de Jesus". Mas eu sinto muito (muita felicidade!) em te dizer que ISSO NÃO É ASSIM! Qualquer Evangelho que passe desse Evangelho da Graça é "outro evangelho" (Gl 1.6) e é "maldito" (Gl 1.8,9), mesmo que seja anunciado por um "ungido do Senhor", um apóstolo, pastor ou um anjo do Céu, como disse o apóstolo.
Bíblia-SagradaGálatas 1.6 apresenta o apóstolo Paulo assustado com o desvio dos crentes daquela comunidade. O engraçado é que eles não se desviaram para a libertinagem, mas para o ascetismo. Isso mesmo! Eles se desviaram literalmente para a religião do "andar segundo as Escrituras" e isso os estava impedindo de andar "em Cristo". O que tenho a dizer diante de tudo isso é o mesmo que o apóstolo tinha para os gálatas: "foi para a liberdade que Cristo nos libertou; por isso, permaneçam firmes, não vos dobrando novamente a jugo de escravidão" (Gl 5.1). O mesmo apóstolo disse que os que "espiam nossa vida para ver se estamos 'andando direito'" são, nada mais nada menos que, "falsos irmãos" (Gl 2.4). A preocupação do apóstolo no livro de Gálatas é a mesma que estamos discutindo neste post: ou a salvação é pela Graça ou é pelas obras. Se for pelas obras, o mérito é nosso e Cristo morreu em vão. Mas se for pela Graça, não fizemos nada pra merecer, a glória é toda dEle e as obras passam a ser simplesmente expressões de gratidão, nada mais e também nada menos do que isso! Tais obras são marcas daquele que foi regenerado pela ação poderosa do Espírito Santo; é o Fruto do Espírito! São Amor transbordado! Já as obras de uma espiritualidade que exige obediência cega a preceitos e líderes obstinados pelo controle da comunidade são conhecidas: "prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, facções, dissensões, facções, invejas, bebedices, orgias e coisas semelhantes a estas" (Gl 5.19-21). Enfim, não sou contra a santificação e também não quero promover a libertinagem. O apóstolo Paulo também foi acusado de tentar promover libertinagem e sua resposta é a mesma que dou a partir de uma espiritualidade totalmente apoiada na Graça de Deus: "como é que vamos viver no pecado, nós que para o pecado morremos?" (Rm 6.2). Não exito em dizer o que digo. Há muitos que durante anos são evangélicos, mas nunca experimentaram essa Graça do Evangelho. São Cristãos, mas nunca tiveram qualquer experiência com o Cristo das Escrituras. Quero que essa mensagem traga conforto e não condenação ao seu coração. Ouça o Evangelho! Entregue-se a Cristo e se esqueça dos seus pecados! Deixo cada um com as palavras do próprio apóstolo Paulo e um convite para o café:
ACÚMULO
"Se morrestes com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies (as quais coisas todas hão de perecer pelo uso), segundo os preceitos e doutrinas dos homens? As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria em culto voluntário, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas não têm valor algum no combate contra a satisfação da carne" (Colossenses 2.20-23).
Grande beijo a tod@s,
Naquele que não conheceu pecado, mas Deus o fez pecado por nós para que, por meio dele, fôssemos feitos Justiça de Deus.
Jaime Júnior

Postada em 27 de janeiro de 2014 no Blog "Estou em Obras"...
C. S. Lewis

C.S.Lewis e o divórcio

Antes de deixar a questão do divórcio, gostaria de esclarecer a distinção entre duas coisas que geralmente se confundem. Uma delas é a concepção cristã de casamento; a outra, completamente diferente, é se os cristãos, enquanto eleitores ou membros do Parlamento, devem impor sua visão do casamento sobre o restante da comunidade, incorporando essa visão às leis estatais que regem o divórcio. Um grande número de pessoas parece pensar que, se você é cristão, deve tentar tornar o divórcio difícil para todo o mundo. Eu não penso assim. Pelo menos creio que ficaria bastante zangado se os muçulmanos tentassem proibir que o restante da população tomasse vinho. Minha opinião é que as Igrejas devem reconhecer francamente que a maioria dos britânicos não são cristãos, e, portanto, não se deve esperar que levem uma vida crista. Deve haver dois tipos distintos de casamento: um governado pelo Estado, com regras aplicáveis a todos os cidadãos, e outro governado pela Igreja, com regras que ela mesma aplica a seus membros. A distinção entre os dois tipos deve ser bastante nítida, de tal forma que se saiba sem sombra de dúvida quais casais são casados pela Igreja e quais não (LEWIS, Clive Staples. Cristianismo Puro e Simples. Livro III: Conduta Cristã. Capítulo 6: O Casamento Cristão).
Fico vislumbrado quando vejo um cristão com uma mentalidade tão simples e ao mesmo tempo tão espetacular! O fato de que o laicismo nasceu em berço protestante pode ser motivo de orgulho para muitos cristãos, especialmente os evangélicos. Mas a verdade é que hoje, no geral, eles continuam agindo politicamente no sentido de impor a moral cristã sobre as demais culturas presentes em nossa sociedade. Lamentável exemplo disso na atualidade política brasileira é a resistência militante da bancada cristã (apoiada especialmente por uma massa evangélica e católica) brasileira à liberação judicial para o casamento homossexual nos diversos Estados brasileiros.

A COSMOVISÃO JUDAICO-CRISTÃ

110971Todos sabemos que a cosmovisão judaico-cristã é basicamente contrária à homossexualidade ou a considera, no mínimo, um efeito da Queda, algo não originalmente estabelecido por Deus na Criação do mundo, seja ela tolerada ou não no seio da comunidade - o que varia de uma comunidade ou denominação para outra (algumas até mesmo ordenam ministros homossexuais). Entretanto, sabemos da mesma forma que, segundo as Escrituras judaico-cristãs, apesar do pecado humano (Queda), Deus permite que o homem continue vivendo no mundo que Ele mesmo criou e mantém existindo por sua Palavra poderosa (Hebreus 1.3). Ele não impede que seu sol nasça para justos e injustos e sua chuva abençoe a colheita de pessoas boas e más (Mateus 5.45).
Podemos dizer que Deus não impede que o homem viva, compre, case-se, se dê em casamento, pratique boas ou más obras, peque ou viva em santidade, não importando cor, nacionalidade, sexo ou opção sexual. Ou seja, de acordo com as Escrituras como um todo, na dinâmica política da relação soberana de Deus com a humanidade, Ele garante um direito básico de existência, livre arbítrio e aproveitamento de todos os seus benefícios dados na Criação a todos os seres humanos, não somente a cristãos ou judeus.

ALGUNS QUESTIONAMENTOS

porque2No entanto, por que os cristãos ainda se furtam a ser "imitadores de Deus, como filhos amados" (Efésios 5.1)? Se Deus permitiu a existência de TODOS os seres humanos e lhes garantiu o desfrute de TODAS as suas bênçãos presentes na criação, independentemente de serem pecadores, porque o cristão não pode permitir a existência de homossexuais na sociedade e/ou seu desfrute e conquista de direitos civis, políticos e sociais? Eles são mais pecadores do que os cristãos? Merecem menos as dádivas de Deus presentes na criação? O fato de Deus ter dito em Malaquias 2.16, "Eu odeio o divórcio", deve levar os cristão a militar contra os direitos do divórcio e dos divorciados? Por que então não militamos contra sistemas de empréstimo de dinheiro com juros, já que as Escrituras são claramente contrárias a isso? A questão não é que o Cristão deva ou não impedir tais práticas no seio da sociedade. Pelo contrário, ele pode - e talvez em alguns casos até deva - denunciá-las e censurá-las segundo as Escrituras como fez João Batista diante de Herodes (Marcos 6.18). O problema da bancada cristã é outro. Ela se acha investida de poder político garantido por uma massa de Cristãos católicos e evangélicos e se utiliza deste poder para impor a moral cristã a uma sociedade que não é unanimemente cristã. No final das contas, estamos agindo como a igreja católica da Idade Média, apesar de tanto criticá-la (tanto protestantes quanto católicos).
Mas do que estamos falando, afinal? Que os cristãos devem concordar com a homossexualidade, o divórcio ou o sistema de empréstimos? De maneira nenhuma! A questão é que, se desejamos um pluralismo efetivo em nossa sociedade, isso significa que cada cultura deva ser respeitada e livre para se manifestar social e culturalmente no seio da sociedade. Acredito que neste tipo de sociedade, o homossexual deve ser livre para viver sua homossexualidade e ter seus direitos garantidos em lei assim como o pastor ou o juiz cristão também devem ser livres para viver seu cristianismo e não realizar algum casamento, caso considere isso um pecado a partir de sua visão de mundo.
4Sinceramente não acredito que isso venha acontecer algum dia. Sou cético quanto aos pressupostos e interesses da marcha secularista brasileira. Para mim são ideológicos tanto quanto qualquer outro pressuposto e interesse religioso, acreditando num progresso inerente a uma sociedade que abandona seus deuses e religiões ou quer vai até as últimas consequências do relativismo cultural e do multiculturalismo. Qualquer substituto que o cristão possa colocar no lugar do pecado como causa do mal o levará também a ter que escolher um outro substituto para a salvação do mal no lugar de Cristo. Porém, isso não me impede de lutar ao lado de esquerdistas, libertários, marxistas ou secularistas (ou de me identificar como um se quiser) naquilo em que considero justo do ponto de vista Cristão. No fim das contas, estar desiludido quanto a seus pressupostos não nos dá o direito de continuar impondo a moral cristã sobre os homossexuais ou qualquer outro grupo cultural num âmbito político.

COEXISTÊNCIA V.S CONCORDÂNCIA

É importante ressaltar que não estamos falando de obrigatoriedade de celebração de casamento homossexual por pastores e padres (da mesma forma que eles não são obrigados a celebrar um divórcio, por exemplo, exatamente por que o consideraram um sacrilégio, segundo as Escrituras). Estamos falando do reconhecimento social de um tipo de matrimônio garantido por lei. Neste sentido, é importante lembrar que a igreja lutou por muitos anos, como na época de C.S.Lewis na Inglaterra, contra a liberação judicial do divórcio, o que foi legalizado e regulamentado posteriormente. A igreja, que tanto combateu o divórcio, tem de conviver atualmente com essa questão e, no entanto, não teve que se alterar teológica ou eclesiologicamente por causa disso. No entanto, gostaria de manter a discussão na base da dinâmica sociocultural e não da comparação de sacrilégios.
Logicamente, a questão da homossexualidade é um caso ainda mais urgente em âmbito social do que o divórcio o foi há alguns anos. Os divorciados não são um grupo social e/ou cultural que se identifica no seio da sociedade como tal e que precise reivindicar direitos sociais. Normalmente eles não são perseguidos socialmente por serem divorciados, a não ser por interessados em novos relacionamentos, é claro (kkk). Já os homossexuais possuem esta característica. Eles se identificam enquanto grupo sociocultural e reivindicam, entre outros direitos, o de contrair matrimônio e de não ser discriminados socialmente por sua homo afetividade.
Coexist2
Afinal, tudo isso não implica em CONSENTIMENTO, mas sim em COEXISTÊNCIA, uma atitude baseada no Amor. O princípio da Coexistência reside no evento do amor de Deus pela com sua Criação. Nem sempre Ele concorda com tudo o que o homem faz, produz ou pensa histórica e socialmente - e isto está muito claro nas escrituras -, porém a sua misericórdia não se afasta do homem, preservando e SUSTENTANDO (Hebreus 1.3) sua plena existência, deixando que o homem viva, aja e colha os frutos de sua vivência e ações sobre a terra. Se há necessidade de mudança na vida de um pecador, Jesus Cristo mesmo disse que é o Espírito de Deus quem convence o homem de sua condição pecaminosa, da justiça de Deus e de seu juízo sobre o pecado. A Igreja pode falar, censurar, apoiar ou discordar - e isso deve continuar sendo um direito garantido em lei -, mas não possui o poder de persuadir, convencer ou converter um coração. Só o Espírito de Deus fará isso e não devemos tomar o seu lugar. Se Deus quer que alguma mudança aconteça, não se desespere. Não é o seu esforço que dará cumprimento aos propósitos de Deus. Confie no Espírito. Ele faz isso melhor do que você!

j.m.s. Júnior

Postada em 27 de julho de 2013 no Blog "Estou em Obras".
748046_98432589Uma coisa importante que venho aprendendo ao longo desses 3 anos e meio no curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da UFMG é que a Educação não acontece somente a partir daquilo que se fala e se trabalha num currículo, mas também a partir de coisas que dele se omite. Isso não é verdadeiro somente na escola, mas também na educação de filhos e em todas as relações sociais. O “não dito” é dito a partir daquilo que se diz. Um exemplo: não é comum se dizer numa escola que cabelo crespo é feio, mas isso fica explicito para crianças negras quando veem seus coleguinhas brancos de cabelo liso, loiro e olhos azuis serem elogiados com palavras do tipo: “vejam como ela é linda”, “Olha que pele branquinha! Dá vontade de morder!” ou “vejam como Deus abençoou esse menino com a beleza”, “vejam esses olhos azuis, que lindo!”, entre outras coisas. Uma criança negra percebe rápido que sua estética não é elogiada da mesma forma e faz uma operação lógica em sua mente: meu cabelo (assim como olhos, roupas, cultura, religião, etc.) não é bonito ou, a sociedade, os professores, meus coleguinhas, etc. não gostam da minha pele, do meu cabelo, da minha cultura, etc. Enfim, quero transpor esse tipo de educação do “dito pelo não dito” para minha condição como universitário cristão em uma Faculdade que, apesar de laica e voltada para a instrução através da pesquisa e da experimentação, tem certa abertura, tolerância e até um tipo de flerte com a espiritualidade. Na verdade para com qualquer espiritualidade, desde que não seja cristã. Alguém me disse isso? Não precisou! Tudo o que vejo e ouço na Faculdade (primeiramente por parte da instituição) a respeito de religião e espiritualidade são 1) duras críticas (a maioria desprovida de conhecimento bíblico, teológico, histórico ou antropológico) ao cristianismo, às igrejas (especialmente evangélicas) e à ética cristã; 2) palavras de respeito, exaltações e elogios à todo tipo de cultura, religião e espiritualidade de matriz africana, oriental, indígena, celta, entre outras, desde que não sejam cristãs. Nem preciso dizer como me sinto quando uma dança evangélica é questionada enquanto apresentação cultural na universidade, mas uma oferenda religiosa de matriz africana não. Não posso deixar de observar que toda cultura e religião “de minoria”, juntamente com toda prática de minorias que subvertem os valores cristãos recebem status e legitimidade simplesmente pelo fato de serem contra-hegemônicos e “de minoria”. Pouco ou nada são criticadas essas práticas, religiões e valores, que são observados a partir de um ponto de vista relativista cultural acrítico. E nesse caminho já vi professor elogiando a prática do assassinato de recém nascidos gêmeos e deficientes físicos praticadas por algumas tribos indígenas no Brasil. A inversão ética e moral é tamanha que um grupo de missionários cristãos que pegava essas crianças para cuidar foi criticado como sendo o verdadeiro monstro da história!
tumblr_lapdr5h6gu1qbto6to1_500No meio disso tudo, sempre me recusando a ser um aluno medíocre e acrítico, sinto-me impelido, de alguma forma, a explicar, tanto a meus professores, quanto a amigos e colegas de curso e irmãos na fé, o motivo pelo qual continuo sendo cristão e, principalmente, porque me recuso hoje a ser um cristão medíocre dentro da universidade, ou seja, um cristão que não questiona, não critica e nem enfrenta toda essa estrutura. Gostaria de começar falando sobre as críticas mais comuns à minha fé e o porquê de elas não me afetarem e nem mudarem meu posicionamento de submissão incondicional à Cristo.
Critica-se a fé cristã hoje em dia por diversos motivos. Pela forma como os portugueses, espanhóis e ingleses chegaram à américa, pela forma como convertiam os índios, etc., por causa das cruzadas, por causa do fundamentalismo atual na política e na sociedade, pela chatice evangélica, pela bizarrice e exploração dos neopentecostais, entre diversos outros motivos. Fazendo isso ignoramos todo o bem que a fé cristã já fez à humanidade, como por exemplo: a criação da universidade, dos hospitais (diga-se de passagem, instituições que não foram criadas por reivindicações políticas populares, mas por iniciativas de mentes iluminadas pela ética da fé em Cristo), a ideia de direitos humanos inalienáveis e, consequentemente, a abolição da escravatura (especialmente na Inglaterra), os movimentos contra o apartheid na África do Sul, o trabalho de Martin Luther King em prol do reconhecimento da igualdade racial nos EUA, o ideal de compaixão na idade média que impedia os bárbaros de destruir as igrejas e quem estivesse dentro delas nas invasões ao império romano, dentre muitas outras coisas.
Ignora-se também, de igual modo, que os “povos oprimidos” pelo cristianismo, eram também opressores entre si, tinham práticas que ofendiam a dignidade humana (abortos, sacrifícios humanos, antropofagia, assassinato de deficientes e gêmeos, escravização de outros povos, racismo, machismo, homofobia, alienação religiosa, política, moral, etc.), coisas que poderiam e deveriam ser esclarecidas pelo Evangelho de forma a preservar, cultivar e melhorar as próprias culturas indígenas que aqui se encontravam antes da invasão europeia e se encontram até hoje.
5506b68f47999-descobrimento-do-brasil-largeEu não concordo com a forma como o Evangelho chegou e foi “anunciado” às Américas. Da mesma forma não concordo também com diversas formas como continua sendo pregado hoje em dia em aldeias, favelas, bairros, cidades, etc. Está muito mais pra uma imposição de cultura, especialmente uma cultura ocidental, puritana, branca, patriarcal, etc., transformando as práticas culturais, a culinária, as vestimentas, os tipos de relações afetivas, etc. No entanto, foi assim que o Evangelho chegou aqui! Ou, talvez melhor dizendo, chegou aqui APESAR DISSO TUDO. Cristo transcende toda essa bagunça histórica do ser humano e age no meio dela e por meio dela.
E Sua missão continua sendo a mesma: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4.18,19). É por causa da essência dessa missão que o apóstolo Tiago, irmão de Jesus, adverte a igreja de seu tempo com as seguintes palavras: “Se alguém cuida ser religioso e não refreia a sua língua, mas engana o seu coração, a sua religião é vã. A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo” – Tiago 1.26,27. Nada disso mudou ao longo dos 20 séculos de existência da fé cristã. Tudo o que passou disso foi desobediência ao propósito de Deus e tudo o que ficou aquém disso foi negligência diante de seu santo chamado. cristianismo_autenticoÉ por causa dessa clareza nas Escrituras que continuo acreditando na existência de um cristianismo essencial, puro e simples, mesmo diante de críticas que me dizem que o cristianismo é simplesmente uma construção social e histórica. Eu não nego essa faceta do que é o cristianismo logicamente. O cristianismo é um fenômeno divino, mas também humano. É o produto de uma fé que foi derramada por Cristo no coração de seres humanos falhos, infiéis, corruptos e negligentes que, como qualquer personagem da bíblia, cometeram erros e acertos diante do chamado divino. Mas o chamado continuou o mesmo. A Escritura continuou a mesma. O que Cristo disse está dito e, independentemente das tentativas de se "amenizar" ou distorcer a fim de "agradar gregos e troianos", isso se constitui na essência da fé cristã e não pode ser mudado! Eu acredito nesta essência e procuro conhecê-la cada vez mais, interpretá-la a cada dia, viver a partir dela, me criticar, me corrigir, me refazer...
homofobiaE não é por causa da exploração realizada por cristãos ao longo da história e também nos dias atuais que eu abandonaria a fé cristã. Você já viu um comunista deixar de sê-lo por causa do fascismo, ditadura, intolerância, torturas e repressões comunistas nas diversas experiências comunistas ao redor do mundo? Ignorar isso é também uma atitude religiosa e irracional. Por que então se critica uma religião com séculos de existência com base em filosofias e movimentos que nem sequer saíram das fraudas da existência histórica? Será que isso não seria uma postura ideológica e irracional?
Logicamente terei também de responder a seguinte questão: por que então seria o cristianismo uma melhor proposta, visto que, como no comunismo, no capitalismo, no liberalismo e em todas as religiões existentes, ela também é “infectada” pela presença do mal? Primeiramente é necessário entender que o cristianismo não é um partido político ou uma alternativa ao socialismo, ao capitalismo, comunismo, liberalismo, etc. 132989_600-300x216O cristianismo é um sistema de fé que, logicamente, acorda com diversas pautas e ideais desses partidos (sendo pioneiro inclusive na prática e pregação de diversos desses ideais) e também mantém com eles suas descontinuidades. No entanto, como um fenômeno humano, o cristianismo também é afetado pelo mal. E o mal está onde o ser humano estiver. O cristão entende pelas Escrituras e pela experiência que o homem é decaído de sua condição humana original e se encontra em um estado de depravação. O que a simplicidade do Evangelho sempre anunciou – independente de todas as discussões teológicas e interesses políticos – foi uma re-humanização do homem através de sua regeneração em Cristo Jesus, por meio do Espírito Santo e sua revelação das Escrituras. E é exatamente nas Escrituras que encontramos um ser humano não nascido debaixo da mesma corrupção que os demais, de forma que se tornou para nós um modelo real e vivo de humanidade. Isso está em seus atos, em sua compaixão, em suas curas, em seus milagres, em seus discursos, mas sobretudo em sua obra vicária na cruz do calvário. JESUS_1-1Ali aquele ser humano perfeito morreu no lugar dos imperfeitos para que estes não fossem castigados eternamente por seus pecados. Mas não somente isso, esse ser humano perfeito ressuscita dos mortos e torna-se o penhor da Esperança cristã, ou seja, que TODOS NÓS RESSUSCITAREMOS um dia, de verdade! Não de mentirinha. Ele ressuscitou e provou à humanidade que há esperança para sua doença, ou seja, a ingratidão, idolatria, malícia, inveja, ódio... resumindo: o pecado! que está impregnado em cada ser humano que nasce em nosso mundo.
Dessa forma a fé cristã anuncia que o Espírito Santo prometido por Cristo Jesus já atua em nossos corações, tratando diretamente no lugar de onde vem cada um desses maus desejos, a raiz do ódio, do racismo, do machismo, da homofobia, do desrespeito à cultura, da opressão, enfim, de tudo o que nos desumaniza. O cristão é um ser humano que se critica (ou pelo menos deve ser). Ele revê suas atitudes a todo instante e pensa como poderia agir melhor a fim de glorificar a Deus, nosso Pai e agradecê-lo por haver nos salvado de sua própria ira através do sangue de Jesus Cristo, seu único Filho.
Nesse sentido, o cristianismo é a religião da gratidão – um golpe fatal na raiz do pecado, segundo o apóstolo Paulo: a ingratidão (Rm 1.21) – de forma que o cristão ama o próximo não por um instinto de preservação da espécie, mas porque Deus o amou primeiro e ele agradece seu amor amando o outro. Da mesma forma o cristão perdoa as ofensas dos outros, não por uma tentativa inútil de se mostrar emocionalmente mais forte, mas porque ele foi perdoado de uma dívida impagável. Agora ele retribui esse perdão perdoando. thank-youA fé e a conduta cristã são contrárias ao classismo, machismo, sexismo, racismo ou homofobia, não por uma tentativa ingênua (ou prepotente) de reconstruir a sociedade de maneira igualitária, mas porque, em Cristo, “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” – Gálatas 3.28). Nessas condições o homem não pode explorar sua mulher, pois ela é parte do mesmo corpo sagrado de Cristo, assim como ele – e na mesma medida que ele, pois ninguém é “mais corpo” do que o outro. Da mesma forma o escravo (proletário, assalariado, escravo ou o que for que se encaixe aqui) compreende que, em Cristo, ele é livre; e o senhor (patrão, rico, magnata ou quem quer que se encaixe aqui), em Cristo, também reconhece que é escravo do próprio corpo (escravo de Cristo) e, por isso, deve servir seu escravo (proletário, assalariado, etc.). Nesse sentido, a causa da militância do cristão é sua própria fé ou, no sentido em que diz o apóstolo Tiago, sua religião. Tudo tem sua justificativa ali. É sua fé que diz a ele até onde ele vai e onde deve parar. É sua fé que lhe indica por quem ou pelo quê deve lutar politicamente. Sua fé lhe diz o que é justo e o que é injusto.
No entanto, não posso concluir sem dizer que, como Cristão - e PORQUE SOU CRISTÃO -, também sou um sujeito desiludido. O Cristão não se ilude com a ideia de que ele próprio irá trazer o Reino de Deus – a paz e a harmonia total esperada pelo mundo – seja através do comunismo, do anarquismo, do liberalismo ou mesmo do cristianismo. Ele aguarda algo real que lhe foi prometido e demonstrado por Cristo Jesus: a Ressurreição, onde nossos corpos se livrarão da corruptibilidade e, juntamente com a morte, o pecado será definitivamente vencido em nossas vidas, além de todas as suas manifestações que hoje não podemos ignorar que, em diversas medidas, estão impregnadas em nós: ódio, inveja, ciúmes, ingratidão, machismo, racismo, homofobia, xenofobia, exploração, escravidão, entre outras formas de opressão religiosa, sexual, de gênero, racial, social, etc. MinoriasEtnicasFabiolaJoanaLutamos hoje contra essas manifestações em nós na forma de sentimentos e ações. Lutamos ao lado do outro e apoiamos a luta do oprimido (mulher, negro, homossexual, pobre, minorias, etc.). No entanto sabemos que somente na ocasião da chegada efetiva do Reino de Deus, todo o problema da opressão será real, efetiva e eficazmente resolvido. A mulher será plenamente livre das opressões de sexo e gênero, o pobre será livre de sua opressão econômica e receberá justiça, o ser humano será redimido, a identidade negra será realmente reconhecida e respeitada. E é exatamente por isso que não nos desanimamos da luta ou da vida no meio da caminhada, mesmo sentindo que todo nosso trabalho é como uma mera gota de água contra um incêndio florestal. É por causa da esperança da ressurreição que nos mantemos firmes e constantes na vida, na militância, na fé e no amor, sendo sempre abundantes na obra do Senhor (e entendemos toda militância justa como “obra do Senhor), sabendo que, no Senhor Jesus Cristo, nosso trabalho não é vão (I Coríntios 15.58).
Enfim, é por meio desses e muitos outros motivos que o Espírito de Deus continua me fazendo perseverar na fé em Cristo.
Em Cristo,
Jaime M. S. Júnior

Publicado em 29 de novembro de 2015 no Blog "Estou em Obras".
IEVV SEITAFaz pouco tempo que alguns amigos e familiares comentaram surpresos comigo sobre a notícia de que a IPB - Igreja Presbiteriana do Brasil - havia lançado uma nota "considerando a Igreja Evangélica Verbo da Vida como seita". Também fiquei surpreso inicialmente, mas algo me intrigava com a notícia. Cheguei a achar até mesmo que poderia ser falácia ou algum mal entendido, no entanto, quando vi a quantidade de reportagens em diferentes blogs e sites de notícias sobre o "mundo gospel" - contendo ainda uma cópia do digesto da Secretaria Executiva da IPB - me dei conta de que a coisa era realmente séria! Minha segunda reação foi de indignação contra a IPB, afinal, "quem foi que deu à igreja presbiteriana autoridade para definir o que é seita (ou heresia) e o que não é?". No entanto, antes de me pronunciar neste blog em uma dura crítica à "prepotência da IPB", pensei: "Afinal, por que a IPB faria isso? Ela teria simplesmente escolhido a IEVV aleatoriamente só pra fazer um escracho público?" Resolvi consultar as fontes dos primeiros sites que publicaram a notícia. Isso me levou à plataforma iCalvinus, site onde a Secretaria Executiva da IPB disponibiliza seu anuário, digesto, atas e documentos oficiais. Pesquisei até encontrar o tal documento em que a IPB se pronunciava a respeito da IEVV. Eu só queria encontrar o mesmo ementário publicado nos outros sites, mas, melhor do que isso, sem querer, acabei encontrando todo o histórico de documentos anteriores, desde o início da história em 2011, até seu desencadeamento em 2014, três anos depois.apontando_o_dedo
Trata-se do documento 110 do ementário do Supremo Concílio de 2014, em resposta à consulta oriunda do Sínodo de Garanhuns e do presbitério do Vale do Pajeú em 2012 sobre o posicionamento da IPB sobre a Igreja Evangélica Verbo da Vida (CE-SC/IPB 2012, Doc. CLXII) - disponível no site supracitado.
Mas afinal, por que o Sínodo de Garanhuns solicitou um posicionamento do Supremo Concílio sobre a IEVV? O motivo é citado no ofício número 4/2011 do Presbitério do Vale do Pajeú ao Sínodo de Garanhus: "O PRVP em sua última Reunião Ordinária decidiu consultar à IPB quanto ao reconhecimento da Igreja Verbo da Vida como igreja co-irmã, considerando que a mesma apregoa práticas doutrinárias estranhas às Escrituras Sagradas, bem como uma prática proselitista para com nossas igrejavisitando os nossos membros comungantes e congregados trazendo confusão em nosso meio. Serra Talhada, 28 de junho de 2011. Fraternalmente em Cristo Jesus". IPB
O documento segue com as respostas oficiais a essa solicitação, desde 2011 até 2014.
A princípio pensei: "haviam tantas formas mais simples de se resolver esse problema!", mas depois achei interessante a postura dos responsáveis por aquela congregação que, ao invés de simplesmente tomar uma dura postura por conta própria, resolveram recorrer a suas autoridades superiores, a fim de não se encontrarem aconselhando suas ovelhas contra uma igreja co-irmã - mesmo após constatar o que estavam vendo de errado. Afinal, isso não foi diferente em Belo Horizonte com a popularização do Centro de Treinamento Bíblico Rhema Brasil, seminário administrado pela IEVV em diversos estados brasileiros e em outros países. O "final" da história é o que foi noticiado em 2014 em diversos sites gospel, provocando indignação em alguns, motivo de chacota para outros e o sentimento de "eu já sabia" no coração de muitos moralistas puxa-saco da IPB.
Enfim, conhecendo melhor agora "os dois lados da história", acredito que seja possível construirmos um espaço mais justo de discussão sobre o caso sem simplesmente tomar partido de um lado por afinidade com ele ou por ódio do outro. Particularmente, achei que a IPB "pegou pesado" com a decisão de decidir rejeitar o batismo e a profissão de fé de um crente advindo da IEVV para suas congregações e de não considerar a IEVV como igreja co-irmã em Cristo (Resoluções 2 e 3 do Digesto Online). Como anglicano, acredito que todo crente batizado "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" - algo que a IEVV faz questão de guardar entre suas doutrinas - é um irmão na fé e seu batismo não pode ser invalidado, independentemente das condições morais ou racionais de quem batizou aquele crente, seja de segmento católico ou protestante.
RHEMANão posso terminar esse artigo sem deixar de dizer que, no período de dois anos em que convivi com o ministério Verbo da Vida, por ocasião do curso que fiz no CTB-Rhema Brasil, apesar de não concordar com grande parte de seus ensinamentos e de considerar muitos deles como heréticos e destruidores da genuinidade, da pureza e da humildade da fé cristã, a Igreja Evangélica Verbo da Vida é uma igreja cristã séria e de sincero comprometimento com as doutrinas bíblicas básicas, recitadas sempre na abertura das novas turmas do Centro de Treinamento Bíblico Rhema Brasil.
Afinal de contas, Seita é seita, heresia é heresia. Do ponto de vista epistemológico, cada denominação, cristã ou não, é uma seita (segmento, doutrina). Um é da seita batista, outro da assembleiana, outro da Wesleyana e eu, da católica anglicana. Agora, heresia, creio que seja um fenômeno suscetível a qualquer um que tente interpretar as verdades eternas das Escrituras a partir da nossa temporalidade humana. Enfim, heresia é um fenômeno bem presente em cada uma dessas seitas, às vezes mais, às vezes menos.
Com amor, em Cristo Jesus.

Postado em 19 de agosto de 2014 no Blog "Estou em Obras".